O cerco às raves em Minas Gerais


Por Wagner Concha, de Belo Horizonte

As raves estão com os dias contados em Minas Gerais. Em breve elas serão proibidas em todo o Estado, como forma de combate às drogas sintéticas, principalmente o ecstasy e o ácido lisérgico (LSD). Pelo menos essa é a vontade do poder público de Minas. A polêmica surgiu no mês passado e desde então têm sido o principal assunto entre os amantes da música eletrônica. No Orkut, comunidades como Tranceiros de Plantão e Trance Movement possuem vários fóruns sobre o tema.




A primeira proposta foi do vereador José Elias Murad (PSDB). Apresentado na Câmara Municipal da capital mineira em 5 de novembro, o projeto de lei 1.543/ 2007 proíbe “no âmbito da cidade de Belo Horizonte a realização de eventos de música eletrônica, chamadas ‘raves’ ou assemelhadas.” Na justificativa, o texto afirma que “este tipo de evento, que em muitos casos pode alcançar mais de 24 horas, tornou-se um terreno fértil de distribuição e consumo de vários tipos de drogas, principalmente aquelas chamadas ‘sintéticas’, como o ecstasy.”




Antes preteridas pela grande imprensa, as raves ganharam notoriedade instantânea desde então. No dia 18 de novembro, o jornal O Tempo trouxe matérias sobre o perfil dos consumidores de ecstasy e LSD (jovens universitários de classe média e alta) e sobre o consumo dessas substâncias nas raves. Um jovem freqüentador relatou: “A maior parte das pessoas que freqüentam o local toma algum tipo de droga. É raro você encontrar alguém que não usa nada em uma rave. Quem tem o hábito de ir sempre tem algum conhecido que vende.”




Uma semana depois, o Estado de Minas apresentou uma reportagem de três páginas sobre “a praga das raves”, afirmando que as festas estão “fora de controle” e que elas “se multiplicam em ritmo acelerado em sítios da Região Metropolitana de Belo Horizonte e do interior.” A série de matérias seguiu por mais dois dias, com os títulos “O dividido inferno das raves” (sobre o projeto de lei municipal) e “‘Barato’ via internet”, que tratou do comércio eletrônico de entorpecentes.




A segunda proposta contra as raves foi apresentada em 28 de novembro, quando o deputado estadual Sargento Rodrigues (PDT) encaminhou à Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais o projeto de lei 1.874/ 2007, pedindo a extensão da proibição para todo o Estado. A justificativa afirma “que tais eventos (as raves) costumam ser realizados em locais distantes, em propriedades privadas, o que dificulta a fiscalização por parte do Estado” e que há um “elevado consumo de drogas como o ‘ecstasy’ e bebidas alcoólicas”. O texto diz ainda que “estes eventos não representam uma forma sadia de diversão para os jovens, porque acabam por transformar-se em palco de violência e consumo de drogas”.




Diante dessa repercussão, o Psyte procurou os autores dos projetos, além de DJs, freqüentadores, médicos e produtores, para saber se a proibição resolverá a questão do uso de substâncias ilícitas entre os jovens e quais as conseqüências dessa decisão para a cena eletrônica local.




O médico e vereador Elias Murad atua há mais de 40 anos no combate ao uso de drogas. Fundador e presidente da Associação Brasileira Comunitária para a Prevenção do Abuso de Drogas (Abraço), ele diz que recebeu vários apelos de pais e adolescentes, o que resultou na elaboração do projeto. Para Elias Murad, a simples proibição das festas não surtirá efeito. “Não acredito que possa resolver (o problema das drogas). O que nós pretendemos é manter sob níveis suportáveis, como outros países têm feito”. Segundo ele, o ponto crucial é a regulamentação. “Uma boate ou um bar, para funcionarem, têm regras. E essas festas não têm regra nenhuma. Eu não sou radical, podem até me convencer de que seriam restrições, mas não proibição total. Se me convencerem e me mostrarem que é um caso para minimizar o problema, eu provavelmente estarei nesse caminho.”




Para Raquel Martins Pinheiro, gerente assistencial do Centro Mineiro de Toxicomania, é preferível regulamentar do que proibir as festas. “Proibir só vai fazer com que as coisas aconteçam de maneira escondida.” Além disso, seria fundamental a realização de campanhas continuadas de conscientização nas festas, mostrando aos usuários os males das drogas. O agravante nas raves brasileiras, na opinião de Raquel, é que as pessoas misturam entorpecentes com álcool, ao invés de tomarem água. “A conseqüência pode ser uma parada respiratória”, alerta.




Ela lembra que, normalmente, o ecstasy é fabricado em laboratórios ilegais, por pessoas que “não entendem nada de farmacologia, que muitas vezes pegam a receita na internet, fabricam em casa ou em pequenos laboratórios de fundo de quintal. É uma mistura que ninguém sabe o potencial que ela contém.” Ainda de acordo com Raquel, no tratamento contra as drogas, é importante que os usuários comecem a se preocupar em, primeiro, reduzir os danos, para depois atingir a meta de abstinência.




Segundo o deputado estadual Sargento Rodrigues, “não se trata de buscar no projeto uma solução para o problema da droga. Trata-se de criar mais um mecanismo (de controle social) à disposição do poder público, especialmente da Polícia Militar, da Polícia Civil, do Ministério Público e do Judiciário, e obviamente mais um aliado dos pais de família”, diz. Para o deputado, que foi policial militar durante 15 anos, há um “uso incontrolável” de drogas e álcool nas raves, e por isso estava na “hora de a Assembléia se manifestar sobre o assunto”. “Não se fiscaliza uma determinada festa, ou não se coíbe, se você não tem legislação. Hoje, o poder público, frente às festas raves, está de pés e mãos atadas”, explica. Ainda na visão do deputado, o projeto de lei poderá sofrer alterações e por isso está aberto ao debate. “Se o entendimento for contrário à proibição, mas para criarmos mecanismos de controle e responsabilidade para quem organiza os eventos, nós acataremos. O que nós não podemos é ficar de braços cruzados.”




O estudante de Educação Física Marcelo Felipe Lopes de Aquino é a favor da proposta apresentada pelos legisladores. Segundo ele, todas as medidas já foram tomadas, porém nenhum surtiu efeito na luta contra as drogas. “Chegamos ao ponto de vários freqüentadores das festas usuários de drogas terem a ilusão de que elas não são tão ruins para a saúde.” Na visão do estudante, há uma “glamourização das drogas” nesses eventos. Marcelo vai a festas de música eletrônica desde 1999 e acredita que haverá uma redução considerável no consumo após a proibição. Porém, antes que tal decisão seja tomada, seria mais eficiente se houvesse ações como a distribuição de revistas nos eventos, realização de palestras sobre drogas, exibição de documentários sobre o assunto ou até mesmo um trabalho em conjunto com a polícia.




Opinião semelhante tem o estudante de sistemas para internet Guilherme Henrique Silveira Gonçalves. Freqüentador de raves desde 2006, ele acha que deve haver uma maior ação dos policiais nas raves. “O que deve ser feito é a regulamentação necessária para as festas, intensificando o policiamento, colocando quem sabe um apoio da Polícia Federal para casos extremos de se encontrar alguém envolvido com o tráfico, além de conscientização por parte dos organizadores”, sugere. Ambos discordam da visão de que as festas tornaram-se palco de violência, como afirma o projeto de lei estadual, mas afirmam que o consumo de drogas é freqüente nesses eventos. Para Marcelo, o fim das raves seria a melhor opção no momento. “Não tenho filhos, mas tenho a certeza que, se fosse pai, este tipo de lugar como são as raves hoje seria o último lugar que eu iria deixar o meu filho ir.”




O jovem DJ e produtor Danny Oliveira já tocou com Tiësto na Love Parade de Berlim e veio a Minas Gerais pela primeira vez há pouco tempo. Ele foi o responsável por encerrar a turnê Elements of Life, que o holandês trouxe ao Brasil em outubro. Danny lembra que se divertiu bastante durante o set de quatro horas no Mega Space e não teve “más impressões” do público mineiro, pelo contrário. Diante da possível proibição das festas em Minas Gerais, ele afirma que é favorável à decisão para o bem-estar da população, mas ressalta que todos serão prejudicados, sejam artistas, organizadores ou o público em geral. “Acho que uma cidade ou Estado deveria se preocupar com o lado turístico e cultural com esses eventos acontecendo.”




Único brasileiro na lista dos TOP 100 DJs do mundo, organizada pela revista inglesa DJmag, o mineiro Anderson Noise é contra a proibição das raves no Estado como forma de combate aos entorpecentes. “Acho uma ingenuidade muito grande da parte dos governantes vincular o problema da droga às festas raves. A droga é um problema cultural e a droga sintética hoje está em todos os lugares. Quem usa droga numa rave não vai deixar de usar porque elas serão proibidas, só vai mudar o lugar de uso. Proibir raves é só mais uma maneira de se tampar o sol com a peneira!”, critica. A regulamentação seria a melhor opção, segundo Noise. “Estes políticos não têm idéia do tanto de gente que trabalha honestamente e sustenta suas famílias com estes eventos.”




Sobre as conseqüências da aprovação dos projetos de lei, Noise resume o que acontecerá na cena mineira. “Vai acabar sendo muito bom para os clubes, mas péssimo para a cidade, pois toda proibição cultural é um retrocesso!” E esse impacto já pode ser visto em Belo Horizonte. O núcleo Flowers vem realizando às quartas-feiras a festa Flowers on the Roxy, na Roxy Club – há mais dois eventos agendados. Já o Trance Movement tem duas festas programadas até o final do ano: a Warung Tour 2007, que será dia 14 na nova casa Domus XX, e a festa de seis anos do núcleo, uma semana depois, na Roxy Club.




Com a eminência do fim das raves, um dos pioneiros da cena eletrônica brasileira faz um desabafo. “Estes senhores que estão trabalhando para aprovar esta lei nem sabem a diferença entre rave, festa, festival, baile funk, para eles é tudo a mesma coisa. Garanto que nenhum deles já esteve numa rave.” O deputado Sargento Rodrigues afirmou ao Psyte que nunca foi a uma festa eletrônica e não a considera uma manifestação cultural. “Eu acredito muito mais que seja um modismo, uma situação que pode durar um determinado período de tempo, mas eu não entendo como uma atividade cultural.” Ao ser questionado se sabia da realização, na semana passada, do festival Creamfields, o vereador Elias Murad disse desconhecer o evento.




O Psyte entrou em contato com os núcleos Trance Movement, E-nigma e Flowers, mas os responsáveis não se manifestaram sobre o assunto. A audiência pública na Câmara Municipal de Belo Horizonte está agendada para o dia 13 de dezembro. Quanto ao projeto apresentado na Assembléia Legislativa mineira, ele ainda está sendo analisado pelas comissões de Constituição e Justiça e Fiscalização Financeira. A votação da proposta, entretanto, só ocorrerá em 2008. Os políticos estão abertos ao debate. Portanto, caberá aos produtores, DJs e freqüentadores de raves se unirem para convencê-los a mudarem de opinião.




Comentários